Com a evangelização da Europa, na Idade Média o ritual pagão foi incorporado ao calendário cristão. O 24 de junho passou a comemorar o nascimento de São João Batista. Logo, outras datas do mês foram associadas a santos populares: o dia 13 é dedicado a Santo Antônio; o dia 29, a São Pedro e São Paulo; e o dia 30 homenageia São Marçal. A mistura entre festas cristãs de santos e folguedos pagãos recriam até hoje novas práticas culturais.
Um dos grandes símbolos das festas juninas é a fogueira de São João. Segundo a tradição católica, ela surgiu na noite do nascimento do santo, quando sua mãe, Isabel, teria mandado acender uma fogueira nas montanhas da Judeia para anunciar a chegada do filho ao mundo. Outros vão dizer que o costume foi introduzido pelos primeiros cristãos, que acendiam fogueiras na festa de São João para lembrar que foi ele quem anunciou a vinda de Cristo, o símbolo da luz divina. Reza a tradição que a fogueira de São João deve ter a forma de uma pirâmide com a base arredondada.
Na festa de Santo Antonio, as lenhas são atreladas em formato quadrangular; na de São Pedro, são em formato triangular.
Os versos da música O balão vai subindo, de domínio público, registram a sobrevivência desse costume nas festas juninas brasileiras: “São João, São João, acende a fogueira no meu coração”. A canção faz referência também à prática de soltar balões para sinalizar o início das festas, hoje proibida devido aos riscos de incêndio. Outra tradição associada às chamas é soltar pequenos explosivos e fogos de artifício para acordar o santo dorminhoco, como cartucho, treme-terra, rojão, buscapé, espadas de fogo, chilene, cordão, cabeção de negro, traque e cobrinha.
Os jesuítas portugueses trouxeram os festejos joaninos para o Brasil. As festas de Santo Antonio e de São Pedro só começaram a ser comemoradas mais tarde, mas como também aconteciam em junho passaram a ser chamadas de festas juninas. Antes da chegada dos colonizadores, os índios realizavam festejos relacionados à agricultura no mesmo período.
As primeiras referências às festas de São João no Brasil datam de 1603 e foram registradas pelo frade Vicente do Salvador, que se referiu aos nativos que aqui estavam da seguinte forma: “os índios acudiam a todos os festejos dos portugueses com muita vontade, porque são muito amigos de novidade, como no dia de São João Batista, por causa das fogueiras e capelas”.
É claro que esse costume não é uma exclusividade brasileira. Na França, a árvore de São João também era queimada no dia 24 de junho, em frente à catedral de Notre-Dame, em Paris. Em países cristãos da Europa a comemoração adota diferentes ritos e simbologias.
Outra tradição ligada às festas juninas são as promessas feitas em nome dos santos. As mais populares são as associadas a Santo Antônio, que ajudam na escolha do futuro pretendente.A distribuição de “pãezinhos de Santo Antônio”, realizada no dia 13 de junho nas igrejas católicas, e a dança de quadrilha, que acompanha a encenação do casamento matuto, também são associadas ao santo casamenteiro. O pão do santo é distribuído logo depois do Dia dos Namorados, que no Brasil é celebrado em 12 de junho. Segundo a tradição, as mulheres que querem se casar devem comê-lo e armazená-lo ao lado de outros mantimentos, para que nunca falte alimento na casa.
As quadrilhas acompanham a encenação do casamento do matuto, celebrado em meio a fogueira, fogos, noivo, noiva, pai da noiva, sacristão, juiz e delegado. Agitadas e cada vez mais coloridas, as quadrilhas podem se apresentar ao ar livre, em palanques ou arraiais. Trata-se de uma dança de salão de origem francesa na qual casais bailam ao som da sanfona e outros instrumentos tradicionais.
Os participantes obedecem a um marcador, que usa palavras afrancesadas para indicar o movimento que devem fazer. O “balancê” (#balancer#), por exemplo, indica o momento em que um casal apenas balança o corpo no ritmo da música, sem sair do lugar, só marcando o passo. A mistura do linguajar matuto com o francês deu origem ao “matutês”, com humor e sotaque do interior nordestino.
As moças desfilam vestidos estampados e cheios de babados para exibir bastante volume. A maquiagem é exagerada, com bochechas rosadas e batom forte; o cabelo é penteado com o tradicional rabo de cavalo, maria-chiquinha ou trancinhas. Os rapazes vestem-se com camisa xadrez, lenço no pescoço e calça comprida remendada com retalhos de pano colorido. O calçado pode ser alpercata de couro cru ou sapato fechado.
Na dança da quadrilha é preciso seguir os comandos “anavantur” (en avant tout) e “anarriê” (en derrière). Devem-se executar apenas os passos gritados pelo marcador: cumprimento às damas; cumprimento aos cavalheiros; damas e cavalheiros trocam de lado; trocam de dama, trocam de cavalheiro; grande passeio; caminho na roça; olha a cobra. Os tipos de passo dependem da criatividade de cada grupo. No c’est fini das apresentações os casais se despedem acenando ao público.
No Nordeste do Brasil, a música que embala as quadrilhas é o forró. E, para entender como funcionam esses bailes, nada melhor que ouvir São João na roça, canção composta em 1952 por Luiz Gonzaga e Zé Dantas:
A fogueira tá queimando
Em homenagem a São João
O forró já começou
Vamos gente, rapapé neste salão.
(...)
Traz a cachaça, Mané.
Eu quero vê, quero vê páia voar.
Em qualquer forró do Nordeste, chamar para o “rapapé” no salão significa convidar mais casais para dançar o arrasta-pé, alusão feita ao movimento dos pés arrastados no chão. Querer ver a “páia voar” é o mesmo que desejar assistir à dança esquentar ou o espaço ficar disputado no salão.
Os festejos juninos são realizados em um espaço próprio, o arraial, que é construído com madeira e palha de coqueiro ou palmeira e decorado com bandeirinhas de papel colorido e balões. Quando o arraial está reservado ao forró, o chão do terreiro é batido, e os casais dançam no interior de um galpão com aberturas nas laterais, que garantem a ventilação do lugar e servem para as pessoas espiarem os dançarinos.
O forrozeiro Cecéu “de Campina” perguntou: “Quem foi esse inteligente que inventou o forró?”. O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo respondeu à pergunta: o nome forró deriva de forrobodó e foi trazido ao Brasil por escravos africanos que falavam línguas da família banto. Forró significa arrasta-pé, farra, confusão. Surge como festa para depois se transformar em gênero musical. É dançado juntinho e vem misturado a vários tipos de música nordestina (baião, coco, rojão, quadrilha, xaxado, xote), animado por pífano, zabumba, triângulo e pela popular “pé de bode” ou sanfona de oito baixos.
Luiz Gonzaga ajudou a imortalizar a tradição junina em música e versos A partir da década de 1950, quando milhões de nordestinos migraram para as regiões Sudeste e Centro-Oeste, atraídos pelas oportunidades de emprego geradas pela construção de Brasília e pela instalação de empresas automobilísticas em São Paulo e no Rio de Janeiro, o forró se espalhou pelo país. Logo começaram a surgir nessas capitais as primeiras casas dedicadas ao gênero, que passaram a ser frequentadas por parte da juventude local, por modismo ou preferência musical. Com o tempo, outras denominações foram nascendo: forró pé de serra (tradicional, rural), forró universitário (casas de show, urbano) e forró de plástico (forró eletrônico, mais estilizado).
O sanfoneiro Luiz Gonzaga (1912-1989), pernambucano de Exu, foi o pioneiro na difusão do forró no eixo Rio-São Paulo, graças a canções como Forró de Mané Vito, Derramaro o gai e Forró do quelemente, todas gravadas a partir de 1949, em parceria com Zé Dantas.
A entrada do forró no mercado sulista se deveu também ao talento do paraibano Jackson do Pandeiro (1919-1982), natural de Alagoa Grande. O famoso Forró em Limoeiro, parceria de 1953 com Edgar Ferreira, estourou nas rádios da época, e muitas de suas músicas foram regravadas por grandes nomes da música popular brasileira como Gal Costa, Alceu Valença, Elba Ramalho, Zeca Baleiro, Paralamas do Sucesso e O Rappa, entre outros. O maior de todos os tributos, no entanto, veio na forma da canção Jack soul brasileiro, gravada em 1999 por Lenine e Fernanda Abreu.
Assim como o forró, hoje as festas juninas fazem sucesso em todo o Brasil. No entanto, as maiores, mais concorridas e mais tradicionais estão no Nordeste. Afinal de contas, foi lá que as primeiras fogueiras de São João arderam na América portuguesa.
Abertura do São João de Campina Grande A maior cidade do interior da Paraíba festeja o São João mais aloprado do mundo desde 1983 e disputa com Caruaru, em Pernambuco, o título de maior festa do gênero. As duas cidades gostam de mexer uma com a outra: qual das duas é a maior? Qual é a melhor? Quem deixa o brincante mais coió (cansado) com o forró pé de serra?
Luiz Gonzaga largou no teclado da sanfona: “Lá no meu sertão pros caboclo lê têm que aprender outro ABC”. Os versos fazem alusão ao linguajar nordestino. O “paraibanês” mantém a sua língua afiada nas tradições. Por isso o povo de Campina Grande diz: o São João daqui é aloprado, arretado e arrochado, que só vendo pra crer.
Os festejos juninos duram os exatos 30 dias de junho. As quadrilhas e o casamento matuto são responsáveis por um espetáculo colorido de ritmo animado, cheio de coreografias que fazem rodopiar os babados dos vestidos.
É regra o noivo chegar amuado (chateado), querer bota boneco (discutir) e tentar fugir, mas o pai da noiva promete um bufete, uma cipoada (murro, pancada forte), e o padre apressa o casório. A noiva costuma esconder a gravidez, sua mãe tem uma bilôla (sentir-se mal) e é amparada por uma marmota (pessoa desajeitada).
As 150 barracas formam um vilarejo. O pátio cenográfico reproduz uma pequena cidade de interior: igrejinha, casa de barro, bodega e cachaçaria. No interior da casa, o rádio na sala, a colcha de fuxico sobre a cama, alguns santos e retratos de família pendurados na parede. Os visitantes podem olhar de perto os objetos, ouvir o estalo da lenha no forno e sentir o cheiro do milho assando.
Convidei a comadre Sebastiana
Pra dançar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: a, e, i, o, u ipsilone.
Nessa pisada, o xén én én de Campina Grande vai até de madrugada.
Na Vila do Forró os atores encenam o cotidiano da região com humor. Oxente! Surgem o padre e as beatas, a parteira, o soldado de polícia, o prefeito, o poeta. Coronel Ludugero e sua amada Filomena passeiam entre as pessoas. O tiro do bacamarte não pode faltar. Referência a grupos de atiradores que serviram na Guerra do Paraguai, as exibições acontecem desde o final do século XIX.
A bandinha de pífano é outra importante atração, imortalizada na obra do ceramista Mestre Vitalino. Pode-se visitar sua casa no Alto do Moura para comprar, ou apenas apreciar, réplicas de seus bonecos de barro. Nesse morro acontece um #furdunço#, os jovens organizam arrasta-pé com caixa de som, misturados a trios pé de serra ao vivo. Há várias opções de comida típica e cachaçarias.
A Terra dos Avelozes costuma promover atrações gigantescas. Bebidas e comidas enormes são servidas na festança: maior quentão; maior pipoca; maior pamonha; maior cuscuz; bolo de milho gigante; maior pé de moleque; maior arroz-doce; canjica gigante; maior xerém e tradicional cozido gigante.
Em 1989, surgiram as drilhas, resultado da mistura entre quadrilha e trio elétrico de Salvador. As pioneiras foram Gaydrilha (homem no traje de matuta) e Sapadrilha (mulher vestida de matuto). Apareceram outras: Piradrilha, Diversãodrilha, Turisdrilha, Trokadrilha, Brinkadrilha e Nova Drilha. É um tipo de forró no pé, como dizem seus brincantes, que comanda o trio na avenida.
Há ainda a maior fogueira de São João, feita com madeira ecológica, que é acesa no dia 28 de junho, em frente à igreja do Convento. Desse jeito, é de arrebentar a boca do balão!
Nadja Carvalho é professora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisadora da cultura popular nordestina
Obs: Texto adaptado
Fontes: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/e_tempo_de_sao_joao.html
http://www.brasilcultura.com.br/cultura/festas-juninas-3/
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