Catequistas de Conquista

sábado, 27 de junho de 2015

Mensagem da CNBB sobre a Redução da Maioridade Penal


 “Felizes os que têm fome e sede da justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6).


Temos acompanhado, nos últimos dias, os intensos debates sobre a redução da maioridade penal, provocados pela votação desta matéria no Congresso Nacional. Trata-se de um tema de extrema importância porque diz respeito, de um lado, à segurança da população e, de outro, à promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. É natural que a complexidade do tema deixe dividida a população que aspira por segurança.

Afinal, ninguém pode compactuar com a violência, venha de onde vier.

É preciso, no entanto, desfazer alguns equívocos que têm embasado a argumentação dos que defendem a redução da maioridade penal como, por exemplo, a afirmação de que há impunidade quando o adolescente comete um delito e que, com a redução da idade penal, se diminuirá a violência. No Brasil, a responsabilização penal do adolescente começa aos 12 anos. Dados do Mapa da Violência de 2014 mostram que os adolescentes são mais vítimas que responsáveis pela violência que apavora a população. Se há impunidade, a culpa não é da lei, mas dos responsáveis por sua aplicação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), saudado há 25 anos como uma das melhores leis do mundo em relação à criança e ao adolescente, é exigente com o adolescente em conflito com a lei e não compactua com a impunidade. As medidas socioeducativas nele previstas foram adotadas a partir do princípio de que todo adolescente infrator é recuperável, por mais grave que seja o delito que tenha cometido. Esse princípio está de pleno acordo com a fé cristã, que nos ensina a fazer a diferença entre o pecador e o pecado, amando o primeiro e condenando o segundo.

Se aprovada a redução da maioridade penal, abrem-se as portas para o desrespeito a outros direitos da criança e do adolescente, colocando em xeque a Doutrina da Proteção Integral assegurada pelo ECA. Poderá haver um “efeito dominó” fazendo com que algumas violações aos direitos da criança e do adolescente deixem de ser crimes como a venda de bebida alcoólica, abusos sexuais, dentre outras.

A comoção não é boa conselheira e, nesse caso, pode levar a decisões equivocadas com danos irreparáveis para muitas crianças e adolescentes, incidindo diretamente nas famílias e na sociedade. O caminho para pôr fim à condenável violência praticada por adolescentes passa, antes de tudo, por ações preventivas como educação de qualidade, em tempo integral; combate sistemático ao tráfico de drogas; proteção à família; criação, por parte dos poderes públicos e de nossas comunidades eclesiais, de espaços de convivência, visando a ocupação e a inclusão social de adolescentes e jovens por meio de lazer sadio e atividades educativas; reafirmação de valores como o amor, o perdão, a reconciliação, a responsabilidade e a paz.

Consciente da importância de se dedicar mais tempo à reflexão sobre esse tema, também sob a luz do Evangelho, o Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, reunido em Brasília, nos dias 16 a 18 de junho, em consonância com a 53ª Assembleia Geral da CNBB, dirige esta mensagem a toda a sociedade brasileira, especialmente, às comunidades eclesiais, a fim de exortá-las a fazer uma opção clara em favor da criança e do adolescente. Digamos não à redução da maioridade penal e reivindiquemos das autoridades competentes o cumprimento do que estabelece o ECA para o adolescente em conflito com a lei.

Que Nossa Senhora, a jovem de Nazaré, proteja as crianças e adolescentes do Brasil!


Brasília, 18 de junho de 2015.


Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília-DF
Presidente da CNBB

 Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia-BA
Vice-presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília-DF
Secretário Geral da CNBB

quinta-feira, 25 de junho de 2015

LAUDATO SI’: a nova encíclica do Papa Francisco

Carta Encíclica Laudato si: sobre o cuidado com a casa comum
O Papa Francisco publicou ontem, 19, a Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado com a casa comum. O nome da encíclica foi inspirado na invocação de São Francisco de Assis: “Louvado sejas, meu Senhor” e tem no seu centro a interrogação: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”.

A seguir publicamos um guia de leitura do texto, divulgado por Radio Vaticano, 18-06-2015.

Este texto oferece um instrumento de suporte para uma primeira leitura da Encíclica, ajudando a compreender o seu desenrolar na totalidade e a identificar as linhas principais. As primeiras duas páginas apresentam a Laudato si’ na sua globalidade; depois, cada página corresponde a um capítulo, indica seu objetivo e reproduz alguns trechos significativos. Os números entre parêntesis remetem aos parágrafos da Encíclica. As últimas duas páginas oferecem o índice completo.

Um olhar por inteiro

«Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?»  (160).  Este interrogativo é o âmago da Laudato  si’,  a esperada  Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum.  Que prossegue: «Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária», e isso conduz a interrogar-se sobre o sentido da existência e sobre os valores que estão na base da vida social: « Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra?»: « Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo,–  diz o Pontífice  –  não creio que as nossas   preocupações ecológicas possam surtir efeitos importantes».

O nome da Encíclica foi inspirado na invocação de São Francisco  «Louvado sejas, meu Senhor»,  que no Cântico das criaturas recorda que a terra, a nossa casa comum, « se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços» (1). Nós mesmos «somos terra (cfr Gen 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar e a sua água vivifica-nos e restaura-nos» (2).

Agora, esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem aos de todos os abandonados do mundo. O Papa Francisco convida a ouvi-los, exortando todos e cada um – indivíduos, famílias, coletividades locais, nações e comunidade internacional – a uma «conversão ecológica», segundo a expressão de São João Paulo II, isto é, a «mudar de rumo», assumindo a beleza e a responsabilidade de um compromisso para o «cuidado da casa comum». Ao mesmo tempo, o Papa Francisco reconhece que se nota « uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta. » (19),  legitimando  um olhar de esperança que  permeia toda a Encíclica e envia a todos uma mensagem clara e repleta de esperança: « A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum. » (13); «o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva » (58); «nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se » (205).

O Papa  Francisco se dirige certamente aos fiéis católicos, retomando as palavras de São João Paulo II:  « os cristãos, em particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé » (64), mas se propõe « especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum »  (3):  o  diálogo  percorre  todo o texto,  e  no  cap.  5  se torna o instrumento para enfrentar e resolver os problemas. Desde o início, o Papa  Francisco  recorda que também «outras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa» sobre o tema da ecologia (7). Ou melhor, assume explicitamente sua contribuição a partir do que foi dito pelo «amado Patriarca Ecumênico Bartolomeu» (7), amplamente citado nos nn. 8‐9. Em vários trechos, o Pontífice agradece aos protagonistas deste esforço  –  seja indivíduos, seja associações ou instituições –, reconhecendo que «a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões»  (7)  e  convida todos a reconhecer «a riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do género humano» (62).

O itinerário  da Encíclica é traçado no n. 15  e  se desenvolve em seis capítulos. Passa-se de uma análise da situação a partir das melhores aquisições científicas hoje disponíveis (cap. 1), ao confronto com a Bíblia e a tradição judaico-cristã (cap. 2), identificando a raiz dos problemas (cap. 3) na tecnocracia e num excessivo fechamento autorreferencial do ser humano. A proposta da Encíclica (cap. 4) é a de uma «ecologia integral,  que  inclua  claramente  as dimensões humanas e sociais»  (137), indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental. Nesta perspectiva, o Papa Franciscopropõe (cap. 5) empreender em todos os níveis da vida social, econômica e política um diálogo honesto, que estruture processos de decisão transparentes, e recorda (cap. 6) que nenhum projeto pode ser eficaz se não for animado por uma consciência formada e responsável, sugerindo ideias para crescer nesta direção em nível educativo, espiritual, eclesial, político e teológico. O texto se conclui com duas orações, uma oferecida à partilha com todos os que acreditam num «Deus Criador Omnipotente» (246), e outra proposta aos que professam a fé em Jesus Cristo, ritmada pelo refrão «Laudato si’», com o qual a Encíclica se abre e se conclui.

O texto é atravessado por alguns eixos temáticos, analisados por uma variedade de perspectivas diferentes, que lhe conferem uma forte  unidade:  «a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida » (16).

Primeiro Capítulo – O que está a acontecer à nossa casa

O capítulo apresenta as mais recentes aquisições científicas em matéria ambiental como modo de ouvir o grito da criação, « transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar » (19). Enfrentam-se assim «vários aspectos da actual crise ecológica» (15).

As mudanças climáticas:  « As mudanças climáticas são  um  problema  global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas, constituindo actualmente um dos principais desafios para a humanidade» (25). Se « o clima é um bem comum, um bem de todos e para todos » (23), o impacto mais pesado da sua alteração recai sobre os mais pobres, mas muitos «daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas » (26): «a falta de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil » (25).

A questão da água: O Pontífice afirma claramente que « o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos ».  Privar os pobres do acesso à água significa « negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável » (30).

A preservação da  biodiversidade:  « Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não poderemos conhecer mais, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre»  (33).  Não são somente eventuais “recursos”  exploráveis,  mas têm um valor em si mesmos. Nesta perspectiva, « são louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano »,  mas a intervenção humana, quando se coloca a serviço da finança e do consumismo,  « faz com que esta terra onde
vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta » (34).

A dívida ecológica: no âmbito de uma ética das relações internacionais, a Encíclica indica que existe «uma verdadeira “dívida ecológica”»  (51),  sobretudo do Norte em relação ao Sul do mundo. Diante das mudanças climáticas, existem «responsabilidades diversificadas» (52), e as dos países desenvolvidos são maiores.

Consciente das profundas divergências quanto a essas problemáticas, o Papa Francisco se  mostra  profundamente  impressionado com a  «fraqueza das reacções»  diante dos dramas de tantas pessoas e populações. Embora não faltem exemplos positivos (58),  sinaliza  «um certo  torpor  e  uma alegre irresponsabilidade » (59). Faltam uma cultura adequada (53) e a disponibilidade em mudar estilos de vida, produção e consumo (59), enquanto é urgente «criar um sistema normativo [...] que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos ecossistemas » (53).

Segundo capítulo – O Evangelho da criação

Para enfrentar as problemáticas ilustradas no capítulo precedente, o Papa Francisco relê as narrações da Bíblia, oferece uma visão global oriunda da tradição judaico-cristã e articula a «tremenda responsabilidade»  (90)  do ser humano  diante da criação, o elo íntimo entre todas as criaturas e o fato de que «o meio ambiente é um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos» (95).

Na Bíblia, «o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o universo. [...] n’Ele se conjugam o carinho e a força »  (73).  A narração da criação é central para refletir sobre a relação entre o ser humano e as outras criaturas e sobre como o pecado rompe o equilíbrio de toda a criação no seu conjunto: «Essas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas:  as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado» (66).

Por isso, mesmo que nós « cristãos, algumas vezes interpretámos de forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas» (67). Ao ser humano cabe a responsabilidade de «“cultivar e guardar”  o jardim do mundo (cfr  Gen  2,15)»  (67),  sabendo que «o fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas todas avançam, juntamente connosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus » (83).

Que o ser humano não seja o dono do universo, «não significa igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar » que o caracteriza; « também não requer uma divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade »  (90).  Nesta perspectiva, « todo o encarniçamento contra qualquer criatura «é contrário à dignidade humana» »  (92),  mas « não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos »  (91).  Necessita-se da consciência de uma comunhão universal: « criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, […]que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde » (89).

O coração da revelação cristã conclui o Capítulo:  «Jesus  terreno»  com a  «sua  relação  tão concreta  e  amorosa com o mundo»  «ressuscitado e glorioso», está «presente em toda a criação com o seu domínio universal » (100).

Terceiro capítulo – A raiz humana da crise ecológica

Este capítulo apresenta uma análise da situação atual, «de modo a individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas» (15), em um diálogo com a filosofia e as ciências humanas.

Um primeiro fulcro do capítulo são as reflexões sobre a tecnologia: é reconhecida, com gratidão, a sua contribuição para o melhoramento das condições de vida (102-103); todavia ela oferece «àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro» (104). São precisamente as lógicas de domínio tecnocrático que levam a destruir a natureza e explorar as pessoas e as populações mais vulneráveis. «O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política» (109), impedindo reconhecer que «o mercado, por si mesmo[...] não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social» (109).

Na raiz se diagnostica na época moderna um excesso de antropocentrismo (116): o ser humano não reconhece mais sua correta posição em relação ao mundo e assume uma posição autorreferencial, centrada exclusivamente em si mesmo e no próprio poder. Deriva então uma lógica do «descartável» que justifica todo tipo de descarte, ambiental ou humano que seja, que trata o outro e a natureza como um simples objeto e conduz a uma miríade de formas de dominação. É a lógica que leva a explorar as crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à escravidão, a superestimar a capacidade do mercado de se autorregular, a praticar o tráfico de seres humanos, o comércio de peles de animais em risco de extinção e de “diamantes ensanguentados”. É a mesma lógica de muitas máfias, dos traficantes de órgãos, do tráfico de drogas e do descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais. (123)

Nesta luz, a encíclica aborda duas questões cruciais para o mundo de hoje. Antes de tudo, o trabalho: «Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o valor do trabalho» (124), bem como «renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade» (128).

A segunda diz respeito aos limites do progresso científico, com clara referência aos OGM (132-136), que são «uma questão de carácter complexo» (135). Embora «nalgumas regiões, a sua utilização ter produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas, há dificuldades importantes que não devem ser minimizadas» (134), a partir da «concentração de terras produtivas nas mãos de poucos» (134). O Papa Francisco pensa em particular nos pequenos produtores e trabalhadores rurais, na biodiversidade, na rede de ecossistemas. É, portanto, preciso assegurar «um debate científico e social que seja responsável e amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome» a partir de «linhas de pesquisa autónomas e interdisciplinares que possam trazer nova luz» (135).

Quarto capítulo – Uma ecologia integral

O coração da proposta da Encíclica é a ecologia integral como novo paradigma de justiça; uma ecologia «que integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o circunda» (15). De fato, «isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida» (139). Isto vale, por mais que vivemos em diferentes campos: na economia e na política, nas diversas culturas, em particular modo nas mais ameaçadas, e até mesmo em cada momento da nossa vida cotidiana.

A perspectiva integral põe em jogo também uma ecologia das instituições: « Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: “toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais” » (142). Com muitos exemplos concretos, o Papa Francisco reafirma o seu pensamento: há uma ligação entre questões ambientais e questões sociais e humanas que nunca pode ser rompida. Assim, « a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa consigo mesma » (141), enquanto «Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise sócio-ambiental» (139).

Esta ecologia integral «é inseparável da noção de bem comum» (156), a ser entendida, no entanto, de modo concreto: no contexto de hoje, no qual «há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais» comprometer-se pelo bem comum significa fazer escolhas solidárias com base em «uma opção preferencial pelos mais pobres» (158). Esta é também a melhor maneira para deixar um mundo sustentável às gerações futuras, não com proclamas, mas através de um compromisso de cuidado dos pobres de hoje, como já havia sublinhado Bento XVI: «para além da leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração» (162).

A ecologia integral envolve também a vida diária, para a qual a Encíclica reserva uma atenção específica em particular em ambiente urbano. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação e «admirável é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são capazes de dar a volta às limitações do ambiente, [...] aprendendo a orientar a sua existência no meio da desordem e precariedade» (148). No entanto, um desenvolvimento autêntico pressupõe um melhoramento integral na qualidade da vida humana: espaços públicos, moradias, transportes, etc. (150-154).

Também «o nosso corpo nos coloca em uma relação direta com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação» (155).

Quinto capítulo – Algumas linhas de orientação e ação

Este capítulo aborda a pergunta sobre o que podemos e devemos fazer. As análises não podem ser suficientes: são necessárias propostas «de diálogo e de acção que envolvam seja cada um de nós seja a política internacional» (15), e « que nos ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos a afundar» (163). Para o Papa Francisco é imprescindível que a construção de caminhos concretos não seja enfrentada de modo ideológico, superficial ou reducionista. Por isso, é indispensável o diálogo, termo presente no título de cada seção deste capítulo: «Há discussões sobre questões relativas ao meio ambiente, onde é difícil chegar a um consenso. [...] a Igreja não pretende definir as questões científicas, nem substituir-se à política, mas [eu] convido a um debate honesto e transparente para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum» (188).

Com esta base o Papa Francisco não tem medo de fazer um julgamento severo sobre as dinâmicas internacionais recentes: «as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam às expectativas, porque não alcançaram, por falta de decisão política, acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes» (166). E se pergunta: «Para que se quer preservar hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário fazê-lo?» (57). Servem, ​​em vez disso, como os Pontífices repetiram várias vezes, a partir da Pacem in Terris, formas e instrumentos eficazes de governança global (175): «precisamos de um acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais» (174), já que «”a protecção ambiental não pode ser assegurada apenas com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente”» (190), que retoma as palavras do Compêndio da Doutrina Social da Igreja).

Sempre neste capítulo, o Papa Francisco insiste sobre o desenvolvimento de processos de decisão honestos e transparentes, para poder «discernir» quais políticas e iniciativas empresariais poderão levar «a um desenvolvimento verdadeiramente integral» (185). Em particular, o estudo do impacto ambiental de um novo projeto «requer processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo, enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo» (182).

Particularmente significativo é o apelo dirigido àqueles que detêm cargos políticos, para que se distanciem da lógica «eficientista e imediatista» (181) hoje dominante: «se ele tiver a coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois da sua passagem por esta história, um testemunho de generosa responsabilidade» (181).

Sexto capítulo - Educação e espiritualidade ecológicas

O último capítulo vai ao cerne da conversão ecológica à qual a Encíclica convida. As raízes da crise cultural agem em profundidade e não é fácil reformular hábitos e comportamentos. A educação e a formação continuam sendo desafios centrais: «toda mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo» (15); estão envolvidos todos os ambientes educacionais, por primeiro « a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese» (213).

O início é apostar «em uma mudança nos estilos de vida» (203-208), que também abre à possibilidade de “exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político, económico e social» (206). Isso é o que acontece quando as escolhas dos consumidores conseguem «a mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção» (206).

Não se pode subestimar a importância de percursos de educação ambiental capazes de incidir sobre gestos e hábitos cotidianos, da redução do consumo de água, à diferenciação do lixo até «apagar as luzes desnecessárias» (211): «Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo» (230). Tudo isto será mais fácil a partir de um olhar contemplativo que vem da fé: «O crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo» (220).

Retorna à linha proposta na Evangelii Gaudium: « A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora» (223), bem como «A felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as muitas possibilidades que a vida oferece» (223); desta forma torna-se possível « voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos» (229).
Os santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes mencionado, é «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria» (10), modelo de como «são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior (10). Mas a encíclica recorda também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de Foucauld.

Após a Laudato si, o exame de consciência, o instrumento que a Igreja sempre recomendou para orientar a própria vida à luz da relação com o Senhor, deverá incluir uma nova dimensão, considerando não apenas como se vive a comunhão com Deus, com os outros, consigo mesmo, mas também com todas as criaturas e a natureza.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543659-laudato-si-um-qguiaq-para-a-leitura-da-enciclica-a-integra-do-texto


terça-feira, 23 de junho de 2015

24 de Junho Natividade de São João Batista - O precursor de Jesus

são joão

A grande lição que João nos deixa é que “Ele cresça e eu desapareça!”

João Batista é o santo mais retratado na arte cristã. E não é sem razão. Ele é o último profeta do Antigo Testamento e o primeiro do Novo. A Igreja o festeja duas vezes no ano litúrgico: no dia de sua morte (29 de agosto), e no dia em que nasceu (24 de junho), para assinalar os seis meses que antecedem o nascimento de Jesus, segundo as palavras do arcanjo Gabriel a Maria.

Deus o escolheu desde o ventre de Santa Isabel para ser o precursor o Senhor. No décimo quinto ano de Tibério (28-29 d.C.), iniciou sua missão no rio Jordão: pregar e batizar; daqui vem o nome “Batista”.

Quando batizou Jesus, João revela a identidade de Deus: “Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo!” (Jo 1,29).

A sua Paixão era Jesus. Naquele momento João confia: “Assim, pois, já este meu gozo está cumprido. É necessário que ele cresça e que eu diminua.” (Jo 3,29-30). Morre decapitado, sua cabeça foi pedida por capricho de Salomé, filha de Herodíades, mulher ilegítima do rei de Israel.

João é o “arauto do grande Rei”; “a trombeta do imperador”, como dizia São Francisco. Ele denuncia todo tipo de pecado porque veio para anunciar Aquele que tira o pecado do mundo. E derrama seu sangue para denunciar o pecado do rei.

Ele foi santificado ainda no ventre de sua mãe diante da Virgem Maria.  O profeta Isaías já tinha profetizado que  Deus o “preparou desde o nascimento para ser seu Servo – que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele; aos olhos do Senhor esta é a minha glória”. (Is 49,4-6)

Sua Paixão era Jesus: “Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas vede: depois de mim vem Aquele, do qual nem mereço desamarrar as sandálias” (cf. At 13,24-26). E o povo se curvava diante da pregação de João: “Ouvindo-o todo o povo, e mesmo os publicanos, deram razão a Deus, fazendo-se batizar com o batismo de João”. (Lc 7, 29)

Ele disse que era apenas “uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (Is 40,3). “Eu vos batizo com água, em sinal de penitência, mas aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu e nem sou digno de carregar seus calçados. Ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo. Tem na mão a pá, limpará sua eira e recolherá o trigo ao celeiro. As palhas, porém, queimá-las-á num fogo inextinguível”. (Mt 3,1-17)

Jesus fez elogios eloquentes a João: “Em verdade vos digo: entre os filhos das mulheres, não surgiu outro maior que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos céus é maior do que ele. ( Mt 11, 11). “Desde a época de João Batista até o presente, o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam”. (Mt 11, 12)

“Vós enviastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. João era uma lâmpada que arde e ilumina; vós, porém, só por uma hora quisestes alegrar-vos com a sua luz”. (Jo 5, 35)

Quando João Batista mandou seus discípulos perguntarem a Jesus: “És tu o que há de vir ou devemos esperar por outro?”, Jesus respondeu-lhes: “Ide anunciar a João o que tendes visto e ouvido: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciado o Evangelho. Depois que se retiraram os mensageiros de João, ele começou a falar de João ao povo: Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Pois vos digo: entre os nascidos de mulher não há maior que João. Entretanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele”. (Lc 7, 22-28)

Jesus sempre se referia a João: “Pois veio João Batista, que nem comia pão nem bebia vinho, e dizeis: Ele está possuído do demônio”. (Lucas 7, 33)

Ao ver Jesus, João Batista o apresentou a seu discípulos de maneira certeira: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1,29). Assim, João dava a “identidade e a missão” de Jesus. Ele é aquele cordeiro que será imolado pela redenção da humanidade, cuja figura estava naqueles dois cordeirinhos que os judeus sacrificavam todos os dias no Templo, as seis horas da manhã e as seis horas da tarde (o holocausto perpétuo), para que Deus perdoasse os pecados do mundo. João mostrava assim a missão de Jesus, “arrancar com sua morte o pecado do mundo”, porque “o salário do pecado é a morte” (Rom 6,23). Mostrava-nos assim, que Jesus não veio para outra atividade, senão tirar o pecado dos homens e instaurar o reino de Deus, da Graça.

Quando Jesus se apresentou para ser batizado por ele, João rejeitou: “Eu devo ser batizado por ti e tu vens a mim! Mas Jesus lhe respondeu: Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa. Então João cedeu. Depois que Jesus foi batizado, saiu logo da água. Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus. E do céu baixou uma voz: Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição. (Mt 3,1ss)

Como todo profeta, João pagou com sangue sua pregação. Conhecemos bem essa história. A grande lição que João nos deixa é que “Ele cresça e eu desapareça!”

Prof. Felipe Aquino
Fonte: http://cleofas.com.br/a-paixao-de-sao-joao-batista/